Um cotidiano marcado pela beleza e pela dor
Quem escolhe a aviação como caminho profissional ou paixão de vida logo descobre que voar é algo mágico — mas também profundamente humano, frágil e, por vezes, doloroso.
Na aviação geral, convivemos com a emoção da liberdade, mas também com o risco sempre presente. E cedo ou tarde, ele se apresenta — seja por meio de um acidente distante ou pela perda de alguém próximo. São episódios que marcam a trajetória de qualquer aviador, deixando reflexões que nos acompanham para sempre.
🛩️ O primeiro impacto: a realidade chega cedo
Meu primeiro grande choque na aviação aconteceu ainda como aluno, no Aeroclube de Maricá. Tinha voado com um jovem instrutor numa quinta ou sexta-feira. Poucos dias depois, no final de semana, ele participava de uma apresentação aérea no interior do estado do Rio quando sofreu um acidente fatal.
Era o primeiro sinal de que a aviação não era feita apenas de encantamento. Aquele episódio, para mim, foi a entrada definitiva no mundo real da aviação. O entusiasmo do aluno deu lugar a uma consciência mais madura.🌧️ O voo que não voltou
Anos depois, já instrutor em Santos Dumont, vivi outro momento que nunca esqueci. Estava em voo com um aluno quando percebi o tempo fechando rapidamente. Com cerca de 40 minutos de manobras feitas, decidi retornar. A turbulência aumentava, os ventos estavam fortes, e o pouso veio com um alívio.
Descemos e pegamos a tradicional combi da Infraero, que nos levava até a porta da AIS-RJ. Dali, seguiríamos a pé até o terminal. Foi nesse trajeto que cruzamos com três colegas — dois pilotos e um acompanhante, o conhecido “saco”.
Perguntei ao instrutor:
— Vai voar? O tempo está fechando…
Ele respondeu:
— Vou ali em Maricá fazer uma órbita e volto já.
Mas eles nunca voltaram.
Até hoje não se encontrou nenhum vestígio. A suspeita era de que tivessem caído no mar. O caso permanece sem respostas. É como se o voo tivesse desaparecido no tempo e no espaço, deixando apenas o vazio e as lembranças.
🎓 Um último voo antes da carreira decolar
Outro caso marcante foi o de um colega que voava rebocando faixa na orla. Ele havia acabado de ser aprovado na prova da Varig e estava de viagem marcada para a EVAER, a escola de formação da companhia.
Era o fim de semana anterior à sua partida. Pediram a ele que fizesse um último voo na faixa. Ele aceitou.
Durante a decolagem, a cadeira correu dentro da cabine — um detalhe técnico, mas fatal. O voo terminou em tragédia.
A oportunidade de voar em linhas aéreas comerciais foi interrompida por um último compromisso informal. Um final que poderia ter sido evitado.
🌾 A promessa que não voltou
Mais tarde, já na universidade, outro episódio ficou gravado em minha memória. Um aluno, entusiasmado e comprometido com o curso, veio até mim e disse:
— Professor, vou voar uma safra na agrícola. Quando der, retorno para completar a formação.
Era uma despedida breve, mas confiante. Infelizmente, ele não retornou.
Durante uma curva em voo, o avião caiu. Mais uma vida interrompida. Mais um nome que passou pelos corredores da aviação e partiu cedo demais.
🕊️ Convivendo com as ausências
Esses relatos não são casos isolados. Eles fazem parte da aviação geral — uma aviação feita de sonhos, mas também de riscos. São perdas que não se apagam, mas que nos ensinam.
Cada um desses colegas deixou sua marca. Foram encontros breves ou duradouros, mas sempre intensos, como tudo que envolve a aviação. A cada perda, cresce em nós o respeito, a responsabilidade e a consciência do que é voar.
Não são apenas números em estatísticas. São nomes, histórias, promessas, companheiros de pista e de sala de aula. E a memória deles voa conosco, todos os dias.
✍️ Conclusão
Este texto não é apenas um tributo. É um convite à reflexão para todos que vivem ou desejam viver da aviação: o céu é lindo, mas exige preparo, respeito e vigilância. As perdas nos ensinam que cada voo deve ser feito com segurança, humildade e gratidão.
Parabéns pelo artigo/texto.
ResponderExcluirPalavras que transmitem o real sentimento de quem viveu isso tudo de frente e viu tudo com os próprios olhos.
Artigo forte e que trás a realidade do mundo que tanto amamos.
Aviação sempre preencherá nossos corações mas infelizmente trás esses percalços no caminho.
Que Deus conforte sempre o coração da família daqueles que apenas decolaram…