Por:Marcuss Silva Reis
Na última semana, publiquei um texto a respeito da importância dos cursos de Ciências Aeronáuticas. Hoje volto com observações que julgo pertinentes para sua evolução.
Por que, na minha opinião, precisamos revisitar esse modelo?
O debate sobre os cursos superiores de Ciências Aeronáuticas no Brasil não está na necessidade de formação acadêmica — que é desejável e bem-vinda para a qualificação dos profissionais do século XXI —, mas sim na qualidade e no foco do conteúdo ministrado.
Muitas instituições, especialmente as vinculadas a grupos de ensino de capital aberto, estruturaram suas matrizes curriculares para compartilhar disciplinas com outros cursos, numa tentativa de reduzir custos e ampliar margens financeiras. Embora essa prática seja compreensível do ponto de vista da gestão acadêmica, o que se observa, na prática, é o empobrecimento das matrizes curriculares, com a redução ou substituição de disciplinas e da carga horária essenciais à formação aeronáutica.
A maioria dos cursos criados no início dos anos 2000 teve suas estruturas alteradas, reduzidas ou simplesmente sucumbiu às realidades mercadológicas e às necessidades empresariais do setor educacional.
As Diretrizes Curriculares Nacionais: um reflexo parcial do setor
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), estabelecidas pela Resolução CNE/CES nº 3/2018, foram elaboradas com a participação ativa — praticamente isolada — de uma única instituição de ensino, já que a maioria das demais optou por não participar efetivamente das discussões. Falo isso como testemunha direta do processo.
O resultado? Um conjunto de diretrizes que não representa a pluralidade de visões e necessidades do setor, focando em objetivos específicos e não necessariamente condizentes com a realidade da formação aeronáutica brasileira.
Afinal, quem habilita os tripulantes no Brasil?
A resposta é objetiva: a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil).
É ela quem regulamenta e certifica os Centros de Instrução de Aviação Civil (CIAC), conforme os regulamentos RBAC 141 e 61, além de emitir o Certificado de Habilitação Técnica (CHT) e as licenças profissionais, sempre em conformidade com o Anexo 1 da ICAO.
Já o Ministério da Educação (MEC) regula os cursos superiores, estabelecendo normas como carga horária mínima de 2.500 horas, projeto pedagógico, estágios e atividades de extensão — com foco na formação acadêmica, científica e social.
As universidades devem ou podem se transformar em CIAC?
Operar um CIAC exige muito mais do que salas de aula e professores. A ANAC exige:
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Frota própria ou aeronaves sob contrato;
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Instrutores homologados e credenciados pela agência;
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Programa de instrução aprovado e auditado;
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Sistema de Gestão da Segurança Operacional (SGSO);
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Instalações específicas e infraestrutura operacional;
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Cumprimento rigoroso das normas operacionais.
Trata-se de um modelo empresarial-operacional, e não apenas acadêmico.
Instrutor credenciado x Professor universitário: qual a diferença?
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O Instrutor da ANAC precisa atender a requisitos técnicos, possuir licenças válidas, passar por credenciamentos e reciclagens periódicas, atuando diretamente na formação prática e operacional dos tripulantes.
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O Professor universitário é contratado segundo critérios acadêmicos — titulação mínima, competência didática, atuação em ensino, pesquisa e extensão — sem a obrigatoriedade de possuir habilitação operacional.
São funções distintas, com objetivos diferentes. Tentativas de uni-las em um único modelo institucional geralmente resultam em cursos “híbridos”, insuficientes em ambos os aspectos.
Por que precisamos revisitar essa discussão?
Durante muito tempo, como tantos outros profissionais e gestores, busquei formas de acomodar e adaptar essas demandas. Mas é hora de reconhecermos: chegou o momento de revisitar essa “página” da criação dos cursos de Ciências Aeronáuticas para uma nova geração de profissionais.
É necessário refletir sobre:
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O verdadeiro papel das universidades na formação de profissionais da aviação;
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A importância dos centros homologados pela ANAC na habilitação técnica;
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A necessidade de manter claras as fronteiras e responsabilidades de cada instituição;
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O perfil de quem ingressa nesses cursos — sejam neófitos, pilotos privados ou pilotos comerciais;
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E, principalmente, qual é o perfil do egresso que a sociedade e o mercado realmente necessitam.
Conclusão
A formação acadêmica e a habilitação técnica são processos complementares, mas não devem ser confundidos ou misturados sem critério. Compreender essa diferença é essencial para garantir qualidade, segurança e excelência na formação dos profissionais da aviação brasileira.
✈️ Sobre o autor
Marcus Silva Reis é piloto, graduado em Ciências Econômicas e pós-graduado em Ciências Aeronáuticas, Segurança da Aviação Civil e Docência do Ensino Superior. Atua como perito judicial em aviação por demanda do Poder Judiciário.
Foi coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas, professor universitário e é membro fundador do Instituto do Ar no Rio de Janeiro, onde permaneceu por 19 anos à frente da formação acadêmica de novos profissionais do setor. Iniciou sua jornada profissional como instrutor do Skylab, no Rio de Janeiro, ministrando instruções práticas e teóricas.
Atualmente é editor do blog Instituto do Ar, atua como mentor na orientação da formação profissional de pilotos, e desenvolve conteúdos educacionais para universidades. Acompanha de perto a evolução do ensino aeronáutico desde a década de 1990, com uma visão crítica, multidisciplinar e comprometida com a qualidade da formação na aviação brasileira.
E você? O que pensa sobre o modelo atual dos cursos de Ciências Aeronáuticas?
Deixe seu comentário ou compartilhe este artigo com quem vive ou trabalha no setor!
Gde Mestre Marcus Reis.
ResponderExcluirÉ desafio e também necessário modernizar a grade curricular do Curso de Ciências Aeronáuticas, bem como o de Pós graduação, visto a evolução da aviação nos dias atuais. Como mencionado, se uma autoridade não se apresentar ou propor as mudanças necessárias, ficaremos estagnados e veremos uma defasagem no aprendizado e no que realmente é necessário para formar um profissional que atenda as demandas do setor. Apropagacão de cursos complementares tem sido um diferencial, mas atende uma camada menor de formados. Além de que o governo não estimula e/ou investe na formação. Espero que em um futuro próximo, haja uma atualização e maiores investimentos no sistema de ensino.
Muito bom Marcus Reis... É preciso que haja uma evolução nessa visão sobre a formação do piloto profissional... É preciso que se defina claramente os papéis da ANAC e do MEC...
ResponderExcluirParabéns pela visão Prof Marcus Reis
Valeu,muito obrigado!
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