Após assistir a várias entrevistas, reportagens e ouvir opiniões de especialistas de diferentes áreas, decidi escrever sobre dois episódios da aviação que, para mim, se encontram num mesmo ponto: a cultura operacional e organizacional.
Não pretendo apresentar furo de reportagem ou criar um texto sensacionalista — meu objetivo é apenas comparar, com base em fatos públicos e observações, dois casos separados por décadas e fronteiras, mas que guardam semelhanças preocupantes.
Marcuss Silva Reis
Na aviação, cada acidente ou colapso operacional é, em teoria, uma oportunidade de aprender e evitar novos erros. Porém, os casos do acidente da LAPA 3142, ocorrido em 1999 na Argentina, e do encerramento definitivo da Voepass, no Brasil em 2025, mostram que, apesar das diferenças de tempo e contexto, certas falhas sistêmicas e culturais permanecem — e continuam custando vidas e carreiras.
O que foi o acidente da LAPA 3142
Em 31 de agosto de 1999, um Boeing 737-200 da Líneas Aéreas Privadas Argentinas tentou decolar do Aeroporto Jorge Newbery rumo a Córdoba. O alarme de flaps não configurados soou na cabine, mas foi ignorado pela tripulação. Sem sustentação, a aeronave ultrapassou a pista, atravessou avenidas e explodiu, matando 65 pessoas.
A investigação revelou:
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Licença do comandante vencida;
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Checklists incompletos;
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Cultura interna que tolerava desvios;
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Pressão para cumprir horários.
O episódio ficou marcado como um caso clássico de “forçar a barra” operacional — e chegou às telas no filme Whiskey Romeo Zulu, do ex-piloto da LAPA, Enrique Piñeyro.
O colapso da Voepass
Fundada como Passaredo Linhas Aéreas, a Voepass foi por décadas uma importante operadora regional no Brasil. Porém, a partir de agosto de 2024, após o acidente fatal de Vinhedo (SP) com um ATR-72 que matou 62 pessoas, a ANAC intensificou as fiscalizações.
As auditorias detectaram:
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Mais de 2.600 voos realizados sem manutenção obrigatória;
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Trincas e deformações na fuselagem não reparadas;
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Falhas em carenagens e sistemas críticos;
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Não cumprimento de prazos de correção.
Em março de 2025, a ANAC suspendeu todos os voos. Em 24 de junho de 2025, cassou definitivamente o Certificado de Operador Aéreo (COA) da empresa.
O elo entre LAPA e Voepass: a cultura de risco
Apesar das diferenças —Os dois casos terminaram em eventos trágicos, e em fechamento administrativo da voe pass —, ambos têm raízes culturais e sistêmicas semelhantes:
| Aspecto | LAPA 3142 (1999) | Voepass (2024–2025) |
|---|---|---|
| Pressão operacional | Decolagem mesmo com alarme crítico | Operações mantidas sem manutenção |
| Cultura permissiva | Tripulações habituadas a atalhos | Manutenção e gestão tolerando desvios |
| Falha de fiscalização | Autoridades argentinas pouco atuantes | ANAC agindo tardiamente após acidente |
| Consequência | Tragédia imediata com 65 mortes | Fechamento definitivo da empresa |
O que a aviação precisa aprender
Esses dois casos reforçam que segurança não pode ser negociada. Toda vez que o cumprimento de horários, contratos ou metas se sobrepõe aos procedimentos, abre-se espaço para que erros previsíveis se transformem em catástrofes.
A mensagem é clara:
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Treinamento contínuo não é luxo, é necessidade;
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Manutenção preventiva é obrigação, não custo extra;
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Autoridades fiscalizadoras precisam agir rápido e de forma contundente;
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Cultura de segurança deve estar acima de qualquer pressão comercial.
Conclusão.
O acidente da LAPA 3142 e o fechamento da Voepass mostram que, mesmo após mais de 25 anos de avanços tecnológicos e regulatórios, o fator humano e a cultura organizacional continuam sendo o ponto fraco da segurança aérea. Enquanto a indústria não encarar de frente esse problema, novos casos poderão repetir os mesmos padrões.

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Marcuss Silva Reis