Pane na decolagem: o voo em que a sorte e a técnica andaram juntas
Era uma segunda-feira fim da manhã no Rio de Janeiro. O céu estava meio nublado, o vento soprava firme, em torno de 15 nós, e eu acabara de terminar uma aula no Skylab eram 11:30. Foi então que surgiu um visitante inesperado: um piloto alemão que, naquela época, trabalhava como comissário de bordo em uma companhia estrangeira.
Ele queria realizar um voo panorâmico sobre o Rio — e eu era o único disponível para acompanhá-lo. Sem pensar duas vezes, aceitei. Fiz a notificação na AIS e seguimos para o PT-LOI, meu companheiro quase diário de aventuras.
A decolagem que começou diferente
Autorizados pela torre, alinhamos na cabeceira 20 direita. Iniciei a corrida, e quando tirei o avião do chão, senti o indesejado: um engasgo no motor, uma tosse seca que me gelou por dentro.
Ali, já no final da pista, não havia espaço para abortar. À frente, só as pedras. Lembrei da máxima que carregava desde o aeroclube:
“Pane na decolagem, pousa em frente.”
Mas no Santos Dumont, entre pedras e água, a única opção era subir.
Pane em meio à água
O alemão também percebeu a falha. O motor seguia rateando, e ao redor só havia a Baía de Guanabara. O Santos Dumont é implacável: perder motor baixo demais ali significa cair na água.
Mantive a calma — ou talvez uma dose de teimosia juvenil — e continuei subindo. A 800 pés, cedi o nariz, declarei emergência e pedi retorno.
A torre respondeu:
— “Autorizado reingresso na perna do vento da pista 20.”
Mas retruquei firme:
— “Negativo. Estou com falha no motor, solicito aproximação direta pela 02, ciente do vento de cauda.”
Imediatamente, o controlador mandou um Varig na final arremeter. Curvei à esquerda, encaixei a reversão e alinhei na longa final da 02.
Nessas horas a gente não pensa, age. Tudo o que aprendeu na instrução vem de forma automática e instintiva. E assim foi: embalado pelo vento de cauda, pelo instinto e pela mão de Deus, segui em direção à pista.
O pouso com as pernas tremendo
Toquei o solo. O pouso foi suave, apesar da pane. Mas assim que as rodas beijaram o asfalto, o motor apagou.
Religuei rapidamente; ele voltou a funcionar apenas o suficiente para taxiarmos até o estacionamento. O mecânico nos aguardava e, após a checagem, veio o diagnóstico: o carburador havia travado.
Mais um dia, mais uma lição
No fim, foi apenas mais um voo marcado por uma intercorrência. Mas dentro de mim, ficou a exaustão e a certeza de que aquele episódio nunca sairia da memória.
O alemão, aliviado, desceu e resumiu a experiência com bom humor:
“Obrigado por não ter molhado meus pés.”
Eu, ainda com as pernas tremendo, só pensava em uma coisa: na aviação, a linha que separa o susto do desastre é fina como uma hélice girando no ar.

Que relato incrível, Marcão! Dá para sentir a tensão do momento e, ao mesmo tempo, a serenidade técnica que fez toda a diferença. Histórias como essa mostram como a aviação exige preparo constante e sangue frio para transformar um possível desastre em aprendizado. Parabéns por compartilhar — além de emocionante, é uma lição de resiliência e profissionalismo que inspira qualquer piloto (ou apaixonado por aviação). ✈️
ResponderExcluirSilvino,brigado por comentar outros textos virão.tive momentos muito ricos de aprendizado dando instrução e carrego comigo ótimas lembranças dessa época,na universidade eu ja não ministrava mais instrução então são estorias que guardei comigo e hoje com mais tempo coloco no papel para deixar um registroe insentivo a quem vai por esse caminho.Todos os instrutores passam perrengue com alunos isso é muito normal, nada demais mas para quem lê e não é do ramo curte essas experiencias como algo emocionante!
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