Introdução – Memória viva da aviação
Quando comecei minha vida na aviação geral, no Santos Dumont, não era raro cruzar com grupos de senhores e senhoras que se reuniam, saudosos, para relembrar os tempos da Panair do Brasil, a lendária empresa que havia sido fechada de forma abrupta nos anos 60. O tempo passou e hoje, navegando pelas redes sociais, vejo cenas muito parecidas: ex-funcionários e tripulantes da Varig, organizando encontros, compartilhando fotos e revivendo histórias que marcaram suas vidas.
É curioso perceber como essas duas companhias aéreas — Panair e Varig — ultrapassaram a condição de simples empresas de transporte. Elas se tornaram, para gerações inteiras, quase como religiões, carregadas de símbolos, memórias e um sentimento de pertencimento que ainda ecoa décadas depois de seu desaparecimento dos céus.
Recentemente, deparei-me com uma postagem que despertou minha atenção e, movido pela curiosidade e pelo respeito a essa memória coletiva, resolvi investigar mais a fundo. O resultado é este registro que compartilho agora, como forma de preservar histórias que não devem ser esquecidas.
O exemplo da Varig para uma geração
Na década de 1960, quando a Panair do Brasil foi abruptamente encerrada, as rotas internacionais e parte da infraestrutura da empresa foram entregues, sobretudo, à Varig. Para minha geração, a Varig se tornou sinônimo de excelência, orgulho e referência profissional. Ali tive amigos, colegas de profissão, e acompanhei o modo como a companhia era vista: um modelo de empresa aérea a ser seguido.
A Varig não era apenas uma companhia aérea — era uma escola de aviação, um padrão de qualidade de serviço e de operação que representava o Brasil no mundo. Para nós, pilotos, voar pela Varig ou com colegas que por lá passaram significava estar em contato com o que havia de mais sólido na aviação nacional.Mas o mundo dá voltas...
Se na década de 1960 o governo militar foi peça-chave na falência da Panair, quatro décadas depois foi a vez da Varig conhecer seu fim. E, nesse caso, o Estado novamente teve um papel decisivo: permitiu que a maior companhia aérea do país entrasse em colapso.
No início dos anos 2000, a Varig já sofria com dívidas, envelhecimento da frota e dificuldade em competir com empresas de baixo custo que surgiam no mercado (Gol e, mais tarde, Azul). O governo brasileiro poderia ter conduzido um processo de recuperação mais estruturado, mas preferiu deixar a companhia definhar. Em 2006, a Varig entrou em processo de recuperação judicial, e seu acervo mais valioso — rotas, slots e marca — acabou sendo absorvido por novas empresas.
Dois momentos, uma mesma lógica
O que une os dois episódios — Panair em 1965 e Varig em 2006 — é a forma como decisões políticas e econômicas moldaram a aviação no Brasil.
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No caso da Panair, a falência foi imposta de fora para dentro, num contexto autoritário.
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No caso da Varig, a falência foi permitida por um Estado que se dizia democrático que se omitiu diante da crise de sua principal companhia aérea.
Ambas as histórias revelam como a aviação brasileira sempre esteve sujeita a interesses que vão além da técnica e da economia: a política, a concorrência e as decisões de governo tiveram papel determinante.
Reflexão final
Para quem viveu a era Varig, a lembrança é de uma empresa que marcou época — mas também a certeza de que, assim como no voo, a vida corporativa das companhias aéreas é feita de altos e baixos.
A Varig foi o ápice de uma geração, mas acabou sendo vítima de um novo modelo de mercado e de um governo que não quis ou não soube preservar aquele patrimônio.
Se a queda da Panair foi um “pouso forçado”, a da Varig foi um “planeio até a perda de sustentação”. Nos dois casos, fica a lição: na aviação, seja para empresas ou pilotos, não basta voar alto — é preciso manter combustível, gestão e apoio para permanecer no ar.
Marcuss Silva Reis
📚 Bibliografia recomendada para quem quiser se aprofundar
Sobre a Panair do Brasil
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SASAKI, Daniel Leb. Pouso Forçado: a história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005.
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BARBOSA, Nair Palhano. Nas Asas da História: lembranças da Panair do Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
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JOTA. “Perseguição e morte da Panair pela ditadura militar.” 2020.
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O GLOBO (Acervo). “Governo militar cancelou a concessão da Panair e decretou sua falência, em 1965.” Rio de Janeiro, 15/02/2015.
Sobre a Varig
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BETING, Gianfranco. Varig: A empresa que levou o Brasil aos céus. São Paulo: Editora Serifa, 2015.
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CONTI, Mario Sergio. Notícias do Planalto: A imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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REVISTA ÉPOCA. “O fim da Varig.” Edição 422, julho de 2006.
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FOLHA DE S. PAULO. “Varig fecha as portas após 79 anos.” 21/07/2006.
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VALOR ECONÔMICO. “Crise da Varig e a transformação do setor aéreo.” Agosto de 2006.
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ANAC/Justiça Federal. Processo de Recuperação Judicial da Varig (2006). Documentos disponíveis no TRF-2 e em portais jurídicos.

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Marcuss Silva Reis