Era um sábado comum, desses em que a vida parece correr devagar. Eu estava sentado na praça da rua Lauro Müller, observando o movimento, quando meu amigo Fernando José chegou e começamos a conversar — sério, acadêmico de medicina e dono de um certo ar cético — começou a brincar, meio que desdenhando da aviação e das minhas habilidades como piloto.Com o jeito dele, sempre confiante e levemente provocador, deixou escapar comentários que, confesso, guardei comigo. Pensei: "Um dia ainda vou dar um corretivo nesse cara... é só esperar a oportunidade."
O convite inesperado
A oportunidade não demorou a aparecer. Na segunda-feira, feriado prolongado, voltamos a nos encontrar na praça. Foi quando joguei a isca:
— Preciso ir ao aeroporto mudar o avião de vaga. Bora comigo?
Fernando, com aquele sorriso curioso, topou:
— Vamos! Quero ver isso aí.
Pegamos o carro e seguimos para o Aeroporto Santos Dumont. Chegando lá, passamos pela sala de tráfego. Enquanto ele se entretinha examinando cartas meteorológicas e papéis técnicos, nem percebeu que eu estava preenchendo uma notificação de voo para Jacarepaguá.
Hora da verdade
Fomos para o PT-LOI, abasteci a aeronave e ele perguntou o motivo.
— Não posso pernoitar com tanque vazio — respondi com naturalidade.
Entramos na cabine, liguei o rádio e chamei o controle de solo.Autorizado começamos a taxiar. Ao mudar para a frequência da torre, a autorização veio clara:
— PT-LOI, autorizado alinhar e decolar da 20 da direita.
Fernando arregalou os olhos:
— Marcus, que isso?!
Eu ri e disse:
— Vamos ali e já voltamos.
Medo e maravilha
Com as mãos suando e o corpo tenso e pálido, Fernando embarcou na aventura. Decolamos, o Rio de Janeiro se abriu à nossa frente em toda a sua beleza — o Pão de Açúcar, as praias, a Baía de Guanabara. A cada minuto, o medo dele ia dando lugar a um encantamento silencioso.
Mesmo assim, de tempos em tempos, ele quebrava o clima:
— Isso não é perigoso, não? Caraca, Marcus...não brinca não.......e toma um stol de 3°tipo sem motor para deixar o voo mais emocionante.
Era a primeira vez que ele voava em um pequeno avião e de instrução com seu amigo, e a experiência estava marcando. Fomos até Jacarepaguá e voltamos ao Santos Dumont, pousando com aquela sensação de missão cumprida e lição aplicada e compreendida — risos.
Uma amizade que ficou no ar
Nos meses seguintes, cada vez que eu olhava para Fernando, lembrava daquele dia e caía na risada. Ele, meio sem graça, sempre acabava perguntando:
— Quando vamos de novo?
Meu querido amigo Fernando José Paiva nos deixou cedo demais, levando consigo aquela mistura de coragem e medo que só quem já voou de aeronaves pequenas pela primeira vez entende. Fica a saudade eterna do amigo da adolescência, do parceiro de praça,de noitadas, do passageiro improvável que, por uma tarde, viu o mundo do alto e descobriu que a aviação e a vida são feitas de experiências vividas.
Em memória do meu amigo Fernando José.
Marcuss Silva Reis

Sempre bom ter registro de histórias bacanas da aviação. Vlw Marcão, saúde e paz. Um grande abraço.
ResponderExcluirVlw,muito obrigado!
ResponderExcluirSensacional o seu relato, meu amigo! Sempre fui seu fã e tenho orgulho da oportunidade de ter o sr. Como meu professor e coordenador. Um grande abraço! Cavok.
ResponderExcluirMuito obrigado,na vida o que vale é isso,o quanto fomos importantes para as pessoas.Sempre levei meu trabalho muito a sério e fico muito feliz de receber sua mensagem e seu reconhecimento!
ExcluirSinto uma tristeza e amargura indescritíveis de nao ter mais este sobrinho junto de nós. Padrinho de minha filha , médico competente , amigo da familia . Era o eterno amor e orgulho da avó . E de todos nós.
ResponderExcluirSe D.Esmeralda soubesse disso, teria passado mal!
ExcluirEu sinto muito D.Marisa.
ResponderExcluirQue memórias lindas você teve com meu primo. Obrigada por nos contar essa proeza.
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